Floquildo: um sobrevivente asiático

Conexão Pet entrevista Carolina Vila-Nova, que resgatou o animal no Laos
Imagine a cena: você viajando de mochilão pela Ásia e de repente se depara com um animal bastante debilitado e precisando de cuidados. Foi isso o que aconteceu com o casal de jornalistas Carolina Vila-Nova e Solly Boussidan.
Floquildo e seus salvadores
Dar as costas ao animal estava fora de cogitação, então eles resolveram levar o gatinho com eles pelo resto da viagem no Sudeste Asiático. A ideia inicial era tentar arranjar um lar para o gatinho por lá mesmo, mas eles se apegaram ao bichano e viram que talvez não fosse uma boa ideia deixá-lo por lá, já que ele poderia virar comida e não receberia os cuidados necessários, visto que veterinários são raros na região.
Para trazer o animal ao Brasil, o casal iniciou uma campanha virtual – Carolina e Solly criaram a página Ajudem Floquildo a ganhar um lar no Brasil – conseguiram arrecadar o dinheiro necessário e ainda vão ajudar a ONG Adote um Gatinho. Floquildo se prepara para vir ao Brasil e Conexão Pet entrevistou Carolina. Você confere a conversa abaixo:
Conexão Pet – Você sempre teve uma relação próxima com animais? Já havia resgatado algum antes dessa experiência?
Carolina Vila-Nova – Minha família adotou o primeiro gato em 1990, quando morávamos em Brasília. Era o Bacana (que morreu em 2007, aos 17 anos). Desde 1990, adotamos vários outros gatinhos (alguns resgatados da rua) e chegamos a ter oito gatos em casa ao mesmo tempo.
Morando em São Paulo (na Pompeia), adotei três felinos com a ONG Adote um Gatinho: Bentinho, Capitu e Pandinha. Quando fui morar em Berlim, em 2011, transportei os três para Fortaleza, onde mora minha mãe. Ela se apegou tanto a eles, que não quis devolver… Estão com ela até hoje.
Então, no retorno da Alemanha, adotei da mãe de uma amiga o Juca (ela não tinha mais condições de cuidar dele). E novamente no Adote um Gatinho adotei a Dinga para fazer companhia para o Juca. Enquanto eu viajo, os dois estão morando com uma catsitter que é voluntária do Adote o Gatinho.
Em suma, tenho três gatos que moram com a avó em Fortaleza, dois que moram comigo em SP e o Floquildo.
Já o Solly, nunca tinha tido gatos e sempre foi apaixonado por cães. Ele tem uma pastora alemã, chamada Dana, que está prestes a completar 14 anos (nota da redação: após a entrevista a cadela faleceu). Ele só começou a conviver com gatos depois que nos conhecemos, em janeiro de 2012.
No começo ele tinha mais curiosidade em relação aos gatos, que propriamente uma paixão. O Floquildo amoleceu ele de vez!
CP – Qual foi o
CP – Quais foram as maiores dificuldades de viajar com o gatinho?
CVN – A primeira dificuldade foi que ele tivesse atendimento veterinário adequado, uma vez que estava doente.
Na noite em que ele foi resgatado (um sábado), foi complicado achar um médico que pudesse atendê-lo. Depois de algumas voltas e algumas portas fechadas, encontramos um vet que aceitou nos atender na casa dele. Como a maioria dos veterinários na região, ele cuidava quase exclusivamente de gado. Depois ficamos sabendo que em grande parte da região para se tornar veterinário é preciso de um curso de apenas seis meses e o trabalho consiste quase que exclusivamente cuidar de gado doente, que no geral, tem uma expectativa de vida inferior a um ano. Hoje temos consciência da sorte que foi ter encontrado um veterinário que soubesse dosar os antibióticos e o analgésicos para o gatinho naquelas condições.
No começo, o gatinho viajava em uma caixa de papelão
O tratamento inicial do Floquildo durou três dias seguidos, com pelo menos duas injeções diárias. Depois, só em Vientiane, na capital do Laos, é que voltamos a encontrar uma clínica veterinária. Lá, havia apenas um médico veterinário formado; os demais ajudantes (membros da família do médico) também consultavam, mas não tinham nenhuma formação. Foi com eles que começamos a dar as primeiras vacinas, vermífugos etc.
Em Saigon (Ho Chi Minh City), no Vietnã, conhecemos o Dr Nghia, veterinário vietnamita com formação no Reino Unido, recomendado em fóruns para estrangeiros expatriados por lá. Ele prosseguiu com as vacinas, tratou uma infecção urinária severa que o gatinho desenvolveu e também uma verminose persistente. É ele que está preparando a documentação e chipagem para que o gatinho possa viajar.
Outra dificuldade era o deslocamento constante. Uma caixa de papelão com uns furos improvisados foi a caixinha de transporte do Floquildo por vários dias, até conseguirmos chegar a Vientiane.
No começo não foi muito difícil; como ainda estava se recuperando da doença, Floquildo ficava bem quietinho lá dentro, dormia a viagem inteira. Depois, começou a ficar mais espertinho e aí ficou mais difícil mantê-lo dentro da caixa. Muitas vezes, tirávamos ele de dentro e ele viajava no nosso colo. Eram viagens muito cansativas e estressantes, por estradas horríveis, por muitas horas.
Tivemos de levá-lo escondido em duas ocasiões – logo quando o tiramos do templo, na primeira noite que ele passou conosco, enfiamos ele dentro da bolsa da Carol para entrar no hotel onde já estávamos, pois tínhamos quase certeza que não iam deixar que ficássemos com ele lá.
Nos demais hotéis ou checávamos se permitiam animais ou já mostrávamos ele de cara na recepção quando fazíamos check-in para não ficar nenhuma dúvida.
Surpreendentemente, não tivemos problema em nenhuma pousada ou hotel, no que diz respeito à aceitação do gatinho no quarto. Apenas deixavam claro que tínhamos de deixar tudo absolutamente limpo.
Tivemos de escondê-lo também quando cruzamos a fronteira entre o Laos e o Vietnã – não sabíamos se iam deixar ele entrar ou não. Na verdade, o
Tínhamos de descer e passar nossas malas pelo Raio-x da alfândega vietnamita. Simplesmente deixamos o Floquildo preso dentro da caixa de transporte dele, no ônibus, em baixo do banco. Nem estava tão escondido. Uma fiscal entrou no ônibus para inspecionar – nessa hora ficamos com frio na barriga -, mas acho que ela estava meio cansada, então só subiu no ônibus, olhou para dentro ali da entrada e já saiu. Não chegou a ver o gatinho.
Outra coisa foi decidir como ele seria transportado para o Brasil. O mar de burocracia é infinito, a falta de informação 100% confiável para cada país que você vai transitar, idem. Causa bastante apreensão, pois se você esquecer uma única declaração médica para algum item específico que precisa estar no certificado para algum dos países por onde você vai passar, a entrada do animal já é barrada ou ele precisa ficar em quarentena.
CP– Em que momento decidiram que era necessário trazer o animal ao Brasil?
Percebemos após alguns dias que o Floquildo estava passando fome. Fomos visitá-lo e o vimos que ele estava vasculhando sacos de lixo em busca de comida e chorava o tempo todo. Além disso, ele ficava solto no templo, onde viviam cachorros e havia grande trânsito de pessoas.
Floquildo, Carolina e os monges do templo no qual ficou por um tempo
Depois soubemos que é prática comum na Ásia abandonar animais nos templos, à espera de que os monges cuidem deles.
Retiramos o gatinho de lá e nos mobilizamos pelo Facebook para ver se havia interessados na adoção na Ásia, onde também temos amigos. Isso teria sido novamente uma solução ideal. Mas não houve interessados.
Buscamos então as ONGS de resgate de animais. No Laos, a principal delas estava fazendo um apelo por doações e corria o risco de fechar. Acabamos desistindo.
Não existe na Ásia uma cultura de animais de estimação. Aqui se come gato, cachorro, tartaruga. Cães são mantidos fora de casa e comem as sobras. Veterinários são raros, com formação precária, e pet shops mais ainda.
Durante esse tempo todo viajando, acabamos nos apegando muito ao gatinho, e ele a nós. Então adotá-lo foi um resultado natural.
Quando decidimos trazer o Floquildo para o Brasil, começamos a pesquisar concretamente como e se isso seria possível.
Inicialmente pensamos que seria mais prático se ele viajasse sozinho, no que no jargão da Receita Federal chamam de bagagem desacompanhada. Tínhamos medo de que fizéssemos tudo por conta própria e, no meio de tanta burocracia, o negócio não desse certo.
Contatamos diversas empresas especializadas que fazem esse tipo de transporte e recebemos orçamentos que variavam entre US$ 2.500 e US$ 5.500. O veterinário que atendeu Floquildo em Saigon é também agente veterinário da Lufthansa e acreditado pela IPATA (o órgão equivalente à IATA para o transporte aéreo de animais) e conseguiu para nós o melhor orçamento: US$ 1.500.
Porém, o animal que chega ao Brasil desacompanhado precisa passar por desembaraço aduaneiro, então precisaríamos ter um despachante em Guarulhos. Novamente, orçamentos variáveis, de R$ 600 a US$ 1.500. Fora os impostos, que são calculados em 60% do frete, mais um valor arbitrado pelo fiscal ao animal. Os custos totais seriam astronômicos.
Por isso, optamos por trazê-lo como
Floquildo pronto para voltar ao Brasil
Conversando com a Juliana Bussab, uma das fundadoras da ONG Adote um Gatinho, ela nos sugeriu fazer uma campanha de arrecadação para ajudar a pagar a viagem. Montamos um site (http://sites.google.com/site/floquildobrasil), um banner e uma fanpage no Facebook (http://www.facebook.com/floquildobrasil) e começamos a divulgação no dia 14 de maio.
Nessa semana, fechamos os voos, e o Floquildo já tem lugar confirmado na cabine em todos os seguimentos. Eu e ele faremos juntos a rota Saigon-Bangkok-Munique-Guarulhos, com as empresas Thai Airways e Lufthansa. Serão cerca de 30 horas de viagem.
CP- A adesão à campanha que vocês criaram surpreendeu?
Com toda a documentação necessária, logo Floquildo estará no Brasil!
Recentemente divulgamos o valor total arrecadado e vamos prestar conta de todos os gastos. O excedente será revertido para a Adote um Gatinho – além deles fazerem um trabalho incrível, resgatando, cuidando e conseguindo lares para centenas de gatinhos, a ajuda deles foi fundamental.
Não temos a menor dúvida de que fizemos a coisa certa. Quando olhamos para o Floquildo hoje, vemos um gatinho feliz e saudável.
Algumas pessoas criticaram a campanha, dizendo
O Floquildo foi a causa com a qual deparamos, por acaso, durante a viagem. Realmente, é apenas só mais um gatinho e do outro lado do mundo. Mas, no nosso ponto de vista,
Fotos: Reprodução/ Fanpage Ajudem Floquildo a ganhar um lar no Brasil
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CVN -Logo que o resgatamos, conseguimos que Floquildo fosse abrigado por monges de um templo budista em Luang Prabang. A princípio essa era a solução dos problemas: salvamos o gatinho, resgatamos ele das ruas e ele tinha onde morar. Só que os monges são ascetas, sem qualquer posse material ou mesmo comida. Eles saem todos os dias para recolher alimentos doados pela população para se alimentarem. Não sobra muita comida, muito menos proteína, que é o tipo de alimento que os gatos mais necessitam.
CVN – Com cerca de 36 horas do início da campanha, encerramos o recebimento de doações, pois já tínhamos ultrapassado o necessário. Foi realmente incrível! Não havíamos sequer sonhado que poderíamos ter tamanha resposta.
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